quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Junto ao teu coração...

É impossível falar dessa música sem falar de ausências...

Contudo, antes de abordar essas ausências, que são o mote da letra abaixo, quero fazer uma ponderação.

Sempre acreditei que viver a vida envolvesse critérios relacionados à intensidade. É fácil ilustrar tal afirmação: "se fizer algo - o que quer que seja - não faça pela metade", era o que eu sempre pensava. Quando se tem intensidade nas ações, todos os dias são mais completos. A relação que temos com as coisas, lugares e pessoas são mais plenas. Mas é justamente por essa constatação que vem à mente o paradoxo da própria intensidade, ou, em outras palavras, como é que a gente fica quando precisa deixar de fazer o algo que não se estava fazendo pela metade?

Eventualmente temos de nos mudar de cidade, de emprego, de função. Por vezes são as outras pessoas que precisam fazer isso. De um jeito ou de outro, há afastamento. A intensidade vivente ali se volta pras novas ações. E lá atrás, cada vez mais no passado, ficam os momentos intensos.

O bônus é o aprendizado que se tem dos mergulhos intensos de vida, mas o ônus é uma memória presente e cheia de emoção, que se denomina saudade...

Alguém escreveu, com muita propriedade, que saudade é a presença da ausência. E é exatamente sobre isso que a letra abaixo versa. Optei por não ser muito dramático (seria muito fácil pra mim debulhar-me em sentimentos de saudades, pois os tenho às pencas...), por isso o eu-lírico se refere mais ao outro, fala mais do outro, dos sorrisos, das alegrias, dos jeitos do outro. Até porque nos ensinam os tempos que as melhores lembranças são as alegres...

Tenho postado aqui as letras de músicas na mesma sequência que devem ocupar no projeto que ora planejo colocar em prática, e que vai se denominar Fim de ciclo. Casualmente Junto ao teu coração se apresenta para postar e resenhar à véspera de mais um aniversário. Nessas ocasiões, é de praxe que eu lembre com mais intensidade das pessoas que estão longe. Algumas pela distância que as estradas medem em quilômetros; outras, pelas lonjuras ultradimensionais a que todos estão submetidos.

Eu tenho muitas fotos pra ilustrar minhas saudades, mas não tenho todas. Então, pra não ser injusto, escolhi minuciosamente uma, que me representa dois tipos de afastamento: como papagaio-de-pirata, meu amigo Venâncio Manuel Assunção, de quem as estradas me levaram distantes; no plano central, abraçado a mim, meu realmente saudoso amigo Nestor Miguel Wennholz, de quem fui afastado pelas lonjuras da vida...

Mas todos os meus amigos distantes estão representados nessa letra, pois foi com essa saudade geral que a escrevi...




JUNTO AO TEU CORAÇÃO 
Letra e música: Guto Agostini

A metade do que sou leva teu nome,
Que some na estrada, mas deixa saudade.
Tão boa a lembrança, que a trago bem guardada
Nas frias manhãs de geada, numa cuia de mate, junto ao meu coração.

Onde quer que estejas, saibas que guardo
Teus rodeios de alegrias junto comigo,
E teu jeito de amigo que tento imitar,
É meu costume lembrar, pra guardar teus sorrisos junto ao meu coração.



Sei que as estradas nos levam distantes
Mas os recuerdos são as marcas de antes.
E se demora a passar a ausência do sinuelo
faltam até peçuelos pra guardar a conta dos dias sem ti.

Sei que as lonjuras são coisas da vida
Mas tua figura é de essência nativa
Como nativo é o chão, a água e o arvoredo,

As ruas e o passaredo, as gentes e o pampa... e o teu coração.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Ela, tu e eu...

A história que envolve a composição dessa música é muito curiosa.

Ainda verão de 14, fim de março possivelmente. Depois de uma semana de muito trabalho e de uma noite de sexta-feira estendida pras primeiras horas do dia seguinte, de música, risada e cerveja, no sábado estávamos, a patroa  e eu, mais... contemplativos. Sempre considerei bacana essa coisa de não fazer sempre tudo igual, de alternar períodos extremamente sociáveis com outros mais introspectivos, de comunhão e de solidão, de som e de silêncio, de vigília e de sono.

Combinamos, no final da tarde, que eu faria para a janta apenas umas coxinhas de asa e que, muito provavelmente, nossa noite seria mais breve que a anterior, assistindo a um filme, somente nós dois.

Ao descer para a garagem cumprir minha parte do acordo, enquanto o fogo da churrasqueira ganhava força, perguntei-me entre ambientar com música ou não. Optei por não, pelo silêncio. E resolvi sair para a parte de fundos do terreno, a fim de fazer um cafuné nas minhas cadelas, enquanto esperava pra colocar os espetos na brasa. A patroa permaneceu no andar de cima, em seus aviamentos.

Qual não foi minha deliciosa surpresa ao abrir a porta? Naquele céu limpo e azulado escuro de início de noite, uma lua cheia enorme, silenciosa e estonteantemente prateada emoldurava in natura o famoso quadro de São Jorge. Fiquei fascinado, a inspiração brotou naquele exato instante.

Diante da churrasqueira, violão no colo, caneta em punho, bloquinho sobre a mesa... os versos da canção brotaram quase espontaneamente. Deu até aquela suspeita incômoda de que já existisse alguma música idêntica, de tão facilmente que a letra nasceu. Como se a música estive no meu inconsciente. E curti muito essa ideia de sugerir que pudesse estar se tratando de um triângulo amoroso, escrevendo ao meu estilo levemente agauchado.

Quando estava quase concluindo a composição, que não havia levado mais de vinte minutos, a patroa gritou lá de cima:
- Guto, daqui a pouquinho eu desço, pra te fazer companhia, tá?
E eu, ainda precisando de uns poucos minutos pra concluir a música:
- Fica fria, nem esquenta! Enquanto tu não vem, ficamos só nós dois aqui...
Ela não entendeu, mas levou ainda uns dez minutos pra descer. Já ouviu a música pronta assim que chegou. E se emocionou...

Por essa composição e por algumas outras, costumo pensar que os autores musicais não são exatamente criadores, mas sim pessoas que têm a eventual capacidade de estabelecer uma ponte entre o nosso mundo, físico e orgânico, e algum outro, desconhecido, etéreo, numa outra dimensão...

ELA, TU E EU  

Noite bendita, lua de prata,
Faz serenata na nossa janela;
Quem é mais bela: ela ou teu corpo,
Que me ilumina no escuro do quarto?

Tens um jeito bom de me pealar com teus olhares,
Que fascinam como uma lua a se exibir.
Ela é testemunha da tropilha dos segredos
Que sabemos só ela, tu e eu...

Noite infinita, laço de almas,
O brilho que acalma, desperta e mostra
O mundo pequeno no rancho sereno
Que dorme enfeitado de cores prateadas.


O meu sonho, guria

Quando componho, procuro observar quais elementos são tipicamente tradicionalistas e quais não são, analisando música e letra. Tu, que tens acompanhado minhas postagens, já sabes que tento navegar nessa seara pouco explorada atualmente, chamada Música Popular Gaúcha.
No caso dessa música em questão, em termos de melodia e ritmo, percebi que tinha feito um chamamé tipicamente gaúcho e, pra fugir do lugar comum, fiz a guia numa levada country. Bem, não gostei da guia, pensei que seria mais coerente com o projeto fazer mesmo chamamé.
O interessante, entretanto, é que, mesmo chamameceando, dá pra introduzir elementos que universalizem a levada. Por exemplo, que tal tocar Lucy in the sky with diamonds como incidental? No mínimo, ficou curioso.
Em relação à letra, fica a pergunta: esse eu-lírico, esse que canta pra guria, está posicionado em meio urbano ou campesino? Pois te digo: é a imagem perfeita do entorno da churrasqueira, que fica na garagem de minha casa, fincada no meio do bairro, aqui em Caxias.
Além do mais, quer sentimento mais universal do que estar feliz ao lado de quem tu gostas, sabendo que há amigos que tu mesmo escolheste pra querer bem?






O MEU SONHO, GURIA
Letra e música: Guto Agostini

O meu sonho mais lindo, guria,
Passa por tomar um mate contigo
Numa bela manhã de domingo,
Dessas em que a gente acorda cedinho.

E quando a cuia tu vais me passando,
E a tua mão encosta na minha,
Com o canto do olho te vejo me olhando,
Parece que teu desejo adivinho.

Guria, viver de sonhos é tão simples,
Só precisa de um par de coisas, que tu tens:
Vontade de me olhar sorrindo e amizade,
Que existe nas pessoas que a gente escolhe pra querer bem.

E enquanto a costela vai-se assando,
Eu sinto meu coração um braseiro,
A cuscada em torno de nós vai brincando
E eu vivendo com jeito de um moço faceiro.


Guria, quando teus olhos se enchem,
Clareiam a minha vida e transformam
Qualquer manhã de domingo em motivo

Para querer viver para sempre.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Água

Curioso...
Curioso mergulhar na profundeza dos elementos, perceber que meu signo é regido por fogo, com ascendente em fogo, mas a recorrência - sem a menor dúvida - é a água.
Digo curioso, pois penso que muitas vezes (todos nós) nos enganamos pensando isso ou aquilo de nós mesmos. Lembro de todas e tantas vezes que falamos sobre nós mesmos, sobre como nos justificamos através dos signos, conjunções estelares, elementos, o escambau!
Mas vejo na água (não que não veja no fogo também, mas por outro viés!) o ciclo da vida. Umas vezes calminho; outras vezes, avassalador.
Penso em meu irmão e em meus filhos. E em mim, que pensamos em mergulhar sempre, mesmo em dias de frio, mesmo com tímpanos perfurados...
Água não é Norte, mas é Mapa. Água não indica, mas explica. Água não é só básico: é essencial. Água não esconde, revela...
...
Embora toda a minha composição possa ser considerada Popular, e nesse sentido sou essencialmente Urbano, devo dizer que lamento profundamente - mas profundamente mesmo! - o descaso de todos com os cursos naturais de água de minha cidade (de todas as cidades). E, consequentemente, busque a minha identidade com a água limpa, livre, despoluída. Daí, basicamente precise me afastar dos meios urbanos pra vivenciar a experiência singular de viver água.
Essa canção não é um apelo à conservação daquele tipo xaropinho que há por aí. É apenas uma constatação de que, sem água, não há pontos de referência...




ÁGUA  

Acordei olhando o sol nascer e percebi,
Na água viva da sanga,
Que a vida é a água dos regatos cheios,
Correndo para a lembrança.

A saudade em si – águas passadas;
E o sal dos olhos – são olhos d’água;
O meio sentimento – é água rasa;
Nossa ilusão – é um sonho d’água.



Vem pra viver, que a água represada perde a vez,
Entender que o percurso da estrada é fluidez,
Aprender de uma vez que a vida é feito água.

Acordei olhando para a vida e percebi
Que o tempo não vale nada.
Mergulhei na água que me leva para o rio
Dos homens de alma lavada.

O destino em si – é rota d’água;
E o teu sorriso – é água calma;
Nosso medo em vão – é queda d’água;

Tua compreensão – é água rara.





Sina de um teatino

Quem ler o título da composição vai dizer essa é gaudéria! Se chegar a ler a letra, admito, é cheia de expressões agauchadas. O instrumental... bem, é uma milonga. Estilizada, é bem verdade. Mas é uma milonga... Talvez seja por isso me empolguei, convidei um gaiteiro pra me ajudar a gravar a guia e, minado de uma certa coragem, inscrevi-a na 34ª Coxilha Nativista, de Cruz Alta, em 2014.
Não fui aprovado... 
E interpretei de mil maneiras o fato de não ter sido aceito: são mais de 700 inscritos, há nomes bem mais famosos que o meu, há composições mais voltadas ao universo nativista do que essa, blablablá... Mas levei em consideração também a possibilidade de que a música não seja boa suficiente pra constar na relação das 20 que sobram pras duas grandes noites finalistas. Ué, por que não?
Tirante isso, é uma música que muito me agrada. De certa forma, a letra me justifica nas relações afetuosas do passado. Sei quem sou, mas muitos não sabem: essa é a ideia. E, mesmo sem saber, julgam. Tu já passaste por isso, prezado leitor?
Além do que, compus a letra a partir de uns versos de um cara que foi meu aluno em Farroupilha e que hoje é meu amigo, a quem respeito pelos textos que escreve e ainda mais pelo caráter: Egui Baldasso. Até nem sei se somente respeito ou, além disso, me identifico, pois o guri dá mostras de que vai trilhar uma sina tipo a minha: teatina. De tipo poeta, vai sofrer, perseguir ladrando pneus de carros, talvez tenha de ir embora quando não quisesse. E viva um pouco aqui e outro pouco ali ou lá. Desse jeito vai forjar sua própria história.
E assim vamos tocando nossos dias...






SINA DE UM TEATINO

Música: Guto Agostini


Letra: Guto Agostini (inspirada em versos de Egui Baldasso)




Eu sempre vivi a vida como vive um haragano:

andarilho, cão sem dono, sem chegada, sem partida.

Mas deixei menos amores nos lugares que passei

do que as mágoas e as dores dos afetos que eu levei...

Em cada paixão uma história, de cada tempo a saudade,
pois numa alma, a verdade não se esconde na memória.
E de guardar os ressábios das faltas e das ausências
me sobra o destino dúbio de ter no pala a querência...




Me chamam de índio vago, andarengo, desalmado,
Desconhecem meu presente, não sabem do meu passado.
Por conta dos manotaços que me aplicou o destino
É que eu vivo teatino, de coração pela estrada.





E vou tocando meus dias pertencendo somente a mim.

Não fui eu quem quis assim, fiz aquilo que eu podia.

Quando um dia eu acordar e não mais me pertencer,

minha sina vou bolear em um presente qualquer...

Negro João

Numa noite do inverno de 2013 tive a oportunidade de apresentar Negro João, música que eu havia composto há não muito, lá no Zarabatana. Tratava-se de uma performance num projeto bacana que há em Caxias do Sul, chamado Caiuby, encabeçado pelos bons amigos e excelentes compositores Cardo Peixoto e Le Daros, que tem uma regra única, simples e impossível de ser quebrada: só pode tocar música autoral! Excelente oportunidade, não?
Juntam-se em torno do palco pessoas (poucas, é bem verdade) que se interessam pela cena - se é que assim pode ser chamada - autoral de Caxias e trocam-se informações (poucas, é bem verdade) sobre isso de compor e conseguir apresentar as composições. Naquela noite toquei Negro João pela primeira vez em público.
Das sobras de estudo que fiz há não muito tempo, ficou-me uma pá de perguntas que insistem em não calar: quem (ou qual) é o gaúcho original, o mais primitivo? Quando os gaúchos evocam seu passado histórico, a qual História estão se referindo? Eram só os índios aqui até a invasão ibérica, então o gaúcho já existia antes dos europeus? Mas... se por um lado o cavalo vem com as embarcações e só então se dissemina no território e, por outro, é impossível entender o gaúcho primitivo sem cavalo, quem é o gaúcho a quem se referem as músicas? Isso sem levar em consideração os platinos, pois pr'aquelas bandas chamam-se gauchos, sem acento mesmo e assim pronunciado...
Fiquei imaginando uma criatura e seu cavalo (crioulo, por supuesto). Um homem de feições rudes, de poucas palavras (até porque não tinha muito com quem falar). Um ser tal que, por ser mais afeito à natureza do que às construções, poderia ser quase um selvagem (um perfeito Cambará, como genialmente sobrenomeou Veríssimo). Era mestiço, como todos os gaúchos de hoje. Tinha sangue crismado indiático e europeu. 
Mas não era negro, no sentido étnico, provindo da África. Ao menos não o meu Negro João. 
E na noite em que apresentei a composição pela primeira vez, um cara veio me dizer, na hora da saída: legal da tua parte, um branquelo, debruçar-se sobre a questão dos negros... Se ele viesse falar comigo antes, entraria nos detalhes. Diria que a gente costuma chamar de João as pessoas mais comuns. E chamar Negro João seria mais comum ainda. Até porque o destino de todos eles é quase sempre o mesmo: serem esquecidos. Mas tava na hora de ir embora, e eu apenas agradeci pelo comentário e convidei-o para vir ao Caiuby mais vezes...
Para mim, sobra dizer, o gaúcho mais primitivo não era monarca das coxilhas, não era o centauro dos pampas. É esse que represento na letra a seguir, e que faz parte do Fim de ciclo. A música é pra ser tocada como folk, com afinação D aberto. Nada a ver com Tradicionalismo...


NEGRO JOÃO    

Negro João nasceu sozinho, era João porque nasceu assim,
Do pai nem fazia ideia, nem da mãe, que um dia teve fim.
João trilhava seu destino cavalgando cada dia mais,
Tapejara como poucos, mas não tinha pra onde ir.
Nem reponte de invernada, nem o beijo de uma amada,
Não havia nada, nada que esperasse ele chegar...

Negro João seguia ventos, cruzamentos, tudo é direção.
Não rezava padres-nossos, não pedia proteção.
Tinha a lua como guia e o sol como irmão.
Só vivia a despacito, não pensava no amanhã.
Namorava com as estrelas nos pernoites de jornadas
Conversava com o reflexo de si mesmo nas aguadas.

Negro João não era nada, menos que alma penada,
Andarilho invisível de planícies e canhadas...


Quando João morreu pra sempre transformou-se em cinamão
Foi cortado feito lenha pra graveto e pra tição.
Negro João está presente, pois se fez de picumã

Que eu vejo a  cada instante nas veredas do galpão...

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Fim de Ciclo

Depois de cumpridos os tortuosos anos até efetivamente desfazerem-se os conceitos culturais arraigados, a prática sugere novas composições. Aliás, a prática de quem se propõe artista é muito mais a arte do que a resenha, não? Então surge a ideia de elaborar um projeto, que indicasse a passagem de uma fase à outra, um encerramento pra um novo começo: Fim de Ciclo.
Esse é o trabalho que começa a tomar forma e que publicarei aqui no blog inicialmente pelas letras.
A primeira música é questionadora daquilo que é inerente ao campo e à cidade: em muitos casos, é igual tanto lá como aqui na cidade. Mas o atavismo... ah, esse tal atavismo... Essa coisa de pertencimento à terra. Faça tua própria análise...


Janelas frente sul

  Música: Guto Agostini 
Letra: Guto Agostini e Ale Hermes

Os meus olhos são janelas de uma alma sem respostas,
Minha mente um continente de conceitos abstratos.
O meu pampa é tão imenso que não cabe nestes versos
Que um gaúcho da cidade se botou a escrever.

Da janela da minha casa observo o fim de tarde,
Pelo jeito desse vento imagino que vem chuva,
Eu procuro por sinais olhando firme no horizonte,
Como meus antepassados me ensinaram a fazer.

Na cidade ou no campo todos fazem dessa forma,
Pois o céu que nos encobre é igual pra qualquer um.
E esse vento, quando sopra, é o canto que quer me mudar
Esse canto, quando sopra, é o vento que vai me levar.

Minha sede de respostas se alimenta de perguntas,
É capaz  que um dia eu morra sem ninguém me responder.
E tirando tanta dúvida me sobra uma certeza:
Minha alma é uma casa com janelas frente Sul.
Minha alma é uma casa com janelas frente Sul.
Minha alma é uma casa com janelas frente Sul.

E esse vento, quando sopra, é o canto que quer me mudar,
Esse canto, quando sopra, é o vento que vai me levar.
E esse vento, quando sopra, é o canto que quer me mudar,
Esse canto, quando sopra, é o vento que vai me levar.


segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Então, a Música Popular Gaúcha (parte 5)

Aconteceu algo muito bacana no RS no início dos anos de 1980: vieram com força ao público um monte de artistas gaúchos, que não eram nem tradicionalistas nem roqueiros. Quando eu comecei a trabalhar em rádio, morando novamente em Lajeado, em 84, tocavam vários desses artistas direto na programação, atendendo a pedidos de ouvintes, os mesmos e tais URBANOS a quem já me referi anteriormente. Foi um período que considerei ótimo na cultura gaúcha.
Assisti a shows lotados de Nei Lisboa, Nelson Coelho de Castro e Raul Ellwanger. O Nelson, só com violão e um copinho de uísque lotava o cinema. Nem banda o acompanhava...

Entretanto, antes do fim da mesma década o rádio parou de tocá-los à exaustão, os espaços midiáticos foram se reduzindo, os shows foram rareando... e eu me perguntando o que havia acontecido. Foi desse período a alcunha MPG, pra Música Popular Gaúcha. Permaneceram alguns até os dias atuais, que podem ser chamados cult, pois têm fãs ferrenhos, mas não lotam plateias com mais de 300 ou 400 lugares.
Mais tarde, já em Caxias do Sul, tentei analisar esse fenômeno fogo-de-palha da MPG numa dissertação, que deixo linkada aqui, pra alguém que possa se interessar: 
O que nunca deixei de fazer foi me questionar, tentar encontrar um elo de identidade no qual a cultura gaúcha, tão rica e saborosa (inclusive gastronomicamente), pudesse ser representada artisticamente fora do meio  CTG. E colocar isso em acordes e letras de música. E venho tentando timidamente compor assim desde aos anos 80 do século passado. Mas como "era" complicado...
Sempre que usava uma terminologia agauchada, vinha uma espécie de auto-sensor e dizia isso não pode, tá esquisito demais, não soa verdadeiro. Então eu desistia da música...
Tive de ouvir muito Vitor Ramil, de deixar versos milongados como chove na tarde fria de Porto Alegre ditar novos sentidos às visões. Tive de abrir mão de conceitos tais que, mesmo que conscientemente eu já tivesse abortado, num nível nem tão profundo de consciência estavam lá: eu havia vivido muito tempo constatando as exclusões sociais de parte a parte no tocante aos estilos musicais. Tanto tempo, que me via vítima desse sistema, mesmo o execrando...


Foi preciso mergulhar na música feita pelos pilchados de hoje com maior profundidade, pra tentar encontrar novas essências. E, nesse mergulho psicologicamente saudável, acabei percebendo que se encerrava um ciclo da minha vida.
Com o final, em 2014, do grupo O Legado, do qual eu fazia parte e que durante mais de 8 anos tocava música poprock em bares, consegui abraçar, enfim, a nova identidade: a de gaúcho urbano, herdeiro de toda a cultura inerente ao vivente sul-riograndense, contudo desfiliado de qualquer agremiação que me obrigasse a me vestir de determinada forma ou me impusesse estilos predefinidos nas composições.
É bem verdade que, resolvidas as minhas questões, não se resolvem as dos demais, que eu gostaria que fossem ouvintes. Bom, mas isso é pensamento pra novas dissertações...