sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Ainda temos tempo pro sentimento?

Quando comecei a compor o tipo de música que vai fazer parte do cd Fim de Ciclo, fiz um monte. Separei 13, num primeiro momento, pensando na questão estratégica: overdose de informação de uma só vez, capacidade física de um cd e coisas desse gênero. Não significa, de forma alguma, que compus apenas 13 músicas e me propus a gravá-las. Na época da escolha, já tinham ao menos umas 20. E mesmo depois que o projeto foi aprovado pelo FINANCIARTE, continuei compondo.

Há, no entanto, que eu ressalte uma questão que vinha - senão me incomodando - me chamando atenção desde a época em que eu trabalhava em rádio: se nos '80 a programação era repleta de músicas românticas, que falavam de amores perdidos e sentimentos infinitos, os '90 e os depois deles foram marcados (estão marcados, pois isso perdura até hoje (?)...) por um constante afastamento às questões caras ao coração, ao menos àquelas que expõem a fragilidade das pessoas em relação ao sentimento.

E confesso, venho pensando assim já faz um tempo...

Quando aprovei um cd com letras confessionais, sentimentais, cheguei a rir sozinho aquele riso de desatino: a quem vai interessar isso? Como arte, funciona; mas quem se interessa em arte, ao menos numa arte que tem essas características de mexer com aquele sentimento mais... incomodativo (pra usar um adjetivo que conheço só do Mano Lima)? - Incomodativo, sim, porque perturba. Mexer nos próprios sentimentos é tarefa árdua (embora essencial). Contudo, vivemos numa época de extravasar nossas emoções apenas em mesas de casas noturnas em que tenham baldinhos com gelo, energético e uma garrafa de vodka. Vivemos num tempo em que a felicidade precisa ser aparente, mesmo que custe qualquer estratagema: empréstimo, vale, financiamento ou roubo....

Qual não foi minha surpresa quando postei no Facebook uma homenagem pros 15 anos de minha filha? Era apenas uma letra de música, chamada Pros meus filhos (compus pra Mariana e o Rafael), junto com uma foto atual e outra de quando ela tinha um aninho... mas centenas de pessoas curtiram, e várias comentaram, notadamente tocadas pelo sentimento...


Ainda me mantenho cético em relação à minha certeza quanto à pouca disposição das pessoas em "viverem" plenamente seus próprios sentimentos, mas admito que a propulsão em relação à  tal publicação fez-me rever alguns conceitos: há, sim, gente que ainda se preocupa com os próprios sentimentos. E, sendo assim, ninguém melhor que um artista para fazer aflorá-los. 

Isso dá gás pra lançar o cd. Melhor que isso, dá ânimo pra continuar compondo...