segunda-feira, 29 de junho de 2015

Coisas que ganhamos pelo caminho

Como o próprio título indica, essa postagem é a sequência óbvia e natural do post anterior. Naquele, perceptível na leitura, eu lamentava a saída do projeto Fim de Ciclo (FINANCIARTE - 2014) do Lissa Stallivieri; nesse, eu comemoro a entrada do violinista Carlos Zinani. Tivemos a oportunidade extremamente prazerosa de gravar três músicas com ele no último sábado. E foi o céu!


Stendhal escreveu que "um romance é como um arco do violino, a caixa que reproduz os sons é a alma do leitor". E eu fico me perguntando a todo momento onde estão os fios invisíveis que ligam os fatos cotidianos (já ponderei sobre essa questão há tempos, aqui mesmo no blog). Em suma, esse Carlos também já era, a exemplo do Lissa, amigo da época da música erudita, aqui em Caxias. Ele no violino da orquestra, eu no coral da extinta Sociedade de Cultura Musical. Numa conversa de reconhecimento, antes de partirmos pras gravações dias atrás, ele bem lembrou que costumávamos fumar juntos nas pequenas folgas dos ensaios. Depois da saída da SCM, cada um foi cuidar do que era seu, e só eventualmente nos cruzávamos. Tínhamos tudo pra não nos encontrarmos, mas por obra do Lissa (o tal nome e número de telefone no post anterior, lembras?), eis que! A foto não deixa dúvidas...


Profissional dedicado, o Carlos já esperava por meu telefonema e prontamente comprou a briga. Tirou um tempo para colocar as três faixas em partituras e gravou, para cada uma, violinos 1 e 2 e viola. Tribemdisposto, foi ao estúdio na hora exata combinada, apenas afinou os violinos e aqueceu os dedos para, a partir daí inundar nossas almas de romance, a minha, do produtor musical Verona e do técnico Duda. Passamos cinco horas gravando, mas - juro! - que não pareceu mais que duas! O fino trato com o arco nas cordas, a preocupação com o timbre, a sensibilidade na ponta dos dedos emprestaram muito - mas muito! - sentimento ao projeto. Esse é Carlos Zinani, que tenho a honra de apresentar nesse blog e com quem espero trabalhar mais e muitas vezes.


Fim de Ciclo, a rigor, é somente um disco. No meu caso, o primeiro autoral (há pessoas que tentam me dissuadir a chamá-lo Início de Ciclo). No cotidiano de quem escuta música, é apenas mais um disco. Eu tenho plena consciência disso. Mas não tem como não lembrar de algo que ocorreu em outubro de 2014, no dia em que o projeto foi aprovado: a produtora cultural, Cali Troian, fez uma postagem no Facebook alardeando, satisfeita, a notícia; eu li e fiquei muito feliz; enquanto ligava para os mais próximos para contar a boa nova, alguém comenta o post dela: Nossa! Não sei por que tanta euforia! Já fui contemplada no passado, gravei meu cd, e isso não mudou em nada minha vida... Hoje fico pensando sobre esse comentário (triste!) de quase um ano atrás e penso: esse cd ainda não foi lançado e já mudou minha vida em vários aspectos, o que será que o futuro me reserva? Não sei pelos outros, mas creio que os fatos continuam sendo ligados por fios invisíveis. Talvez tenha sido apenas um isqueiro emprestado lá na frente da SCM ou a minha disposição de gravar tantas vezes quantas fossem necessárias algum texto lá na Spaghetti: mas o fato - esse fato! - é que essa belíssima parceria se realizou. E assim a vida segue, mudando a todo instante...

sábado, 27 de junho de 2015

Coisas que perdemos no caminho...

Estava há dias pensando nesse post, e em como iria abordar blogueiramente com lucidez os revezes que às vezes se nos apresentam. Nunca fui de ficar em cima do muro, sempre preferi silenciar antes de agredir deliberadamente. Continue lendo, que vais entender...

Frequentei o mundo da música erudita de Caxias e região por um bom tempo, especialmente nos anos 90, e tenho, desde lá, alguns muito bons amigos. Um deles, exímio violinista naqueles tempos, que saiu da "arte" pra abrir uma empresa, tornou-se, além de amigo, parceiro profissional.  Já faz uns quase 15 anos que o Lissandro Stallivieri me chama pra gravar textos na Spaghetti, tarefa que executo com prazer. Além da qualidade, do profissionalismo e do bom ambiente de trabalho, sempre rolam algumas conversas agradáveis na Spa. Sempre que encontro o pessoal de lá, saio com a certeza de que a "Spaghetti é massa!" Entendeste a sacada? Hein? Hein?



Desde o início da parceria, pensava na possibilidade de, de alguma maneira, um dia, devolver os convites. "Assim que eu tiver uma possibilidade", eu viajava, "chamarei o Lissa pra fazer algo comigo!". Quando o Fim de Ciclo foi projetado, inicialmente não pensei em violinos, violas e afins. Mas quando dei uma segunda chance ao pensamento, a ideia me pareceu fabulosa. Algumas músicas ficariam ótimas com cordas. Não pensei mais: era a chance de trazer pra trabalho esse cara de quem tanto gosto. E fiz...

De cara, apenas disse no que estava pensando, e ele disse que toparia. O passo seguinte foi orçar o projeto, empreitada da qual ele participou. O momento maior nesse processo foi em outubro de 2014, quando liguei pra ele e gritei que o projeto havia sido aprovado pelo FINANCIARTE. Admito que no telefonema, contraponto a minha empolgação, senti um pontada de... incerteza(?) na resposta, mas... agora estávamos autorizados e prontos para colocar as ideias em prática.

Quando fomos gravar os violinos, em maio de 2015, tantos meses depois, a primeira sessão não ficou como queríamos. E foi suficiente para entendermos que, por mais sessões que fizéssemos - e há um limite financeiro e de tempo para tanto! -, não chegaríamos ao resultado almejado. Imediatamente entrei em atrito comigo mesmo: como eu falaria pro Lissa que não ia dar? - O cronograma, no entanto, nos exige decisões rápidas. Dei-me, então, 24 horas pra ponderar. No dia seguinte, andando de um lado para o outro de minha cozinha, com as mãos suando, liguei para ele:

- Oi, Lissa, tenho de falar contigo! 

- Diga, Guto! Eu quero ouvir de ti!, respondeu-me ele, obviamente já sabendo do que se tratava. Eu expliquei as questões de qualidade e de tempo que nos limitavam. Não havia tempo!...

E foi nesse momento, por telefone, que o homem se fez super-homem! O que eu ouvi desse cara, que já considerava amigo, vai ecoar na minha cabeça e usarei de referência todas as vezes que precisar:

- Eu já sabia, Guto! Notei ainda na gravação. Não dá pra retomar em poucos meses o que foi deixado de lado há muito tempo, por questões profissionais. Eu entendo, E CONCORDO CONTIGO! (Putz! - comentário  meu...). EU TANTO SABIA DESSA POSSIBILIDADE QUE JÁ DEIXEI UM VIOLINISTA DE STAND BY, CASO EU NÃO CONSEGUISSE FAZER AS CORDAS ADEQUADAMENTE...

Enquanto ele me passava o nome e telefone do novo violinista, que deveria substituí-lo, eu não sabia se chorava ou simplesmente rendia minhas homenagens a ele. Minha mulher, com quem eu tinha conversado intensamente nas horas anteriores a respeito, acompanhou-me durante o telefonema. Ao final, ela disse que eu me saí bem, embora eu me sentisse esgotado. Entretanto, ela também estava comigo à noite daquele mesmo dia, no momento em que li o mail definitivo que o Lissa me mandou, anexando a carta assinada de desistência do projeto, Esta foi a hora em que a ficha caiu, e me fui definitivamente às lágrimas. Ele escreveu assim:

"Assinei com uma lágrima caindo do canto do olho.

Peço desculpas pela minha incapacidade, mas eu juro que me esforcei e queria mesmo estar nessa.

Por ti, pelo Verona e por todos os outros grandes músicos. Por isso alimentei a esperança. 

Dessa vez, saio humildemente de cabeça baixa… mas é preciso saber se entregar com honra.

Continuo na torcida e espiritualmente presente no teu projeto, se tu me permite, só pelo motivo de ter acompanhado um pouco os passos dados e por ser teu amigo. E segue o baile… Toca pra frente. Vai ser um sucesso."

Não lembro ao certo, mas fiquei uma meia hora certamente chorando. Minha mulher me perguntando "o que houve?...". Era tristeza de minha parte em não conseguir ver efetivada a participação de um baita amigo no projeto. No entanto, o caráter que esse cara demonstrou no mail, no registro, foi algo um pouco mais além do que eu já sabia dele. Não lembro de ter recebido um mail igual a esse nunca...



Pra encerrar, pois já fui longe nesse post, vou dizer diretamente ao Lissandro (não tinha como ser diferente):

- Lissa, 3 coisas: 1)"Incapacidade" é uma palavra que, nós dois sabemos, não faz parte de nosso léxico. O que te ocorre é falta de tempo pra desenvolver a pegada do violino. Pra isso, vão existir mais projetos. 2) Emociona-me profundamente constatar o caráter de uma pessoa. Não acontece todo dia nem em todo lugar. É raro. Tu tens caráter e sou extremamente feliz em ser teu amigo. 3) Saíste honrosamente do projeto, mas deixaste um nome e telefone de alguém que levou tua intenção ao pé da letra. Deixaste também, no entanto, mais que teu nome: tua estirpe: sou teu admirador pra sempre!

E assim segue o Projeto Fim de Ciclo, dando-me chacoalhadas, e que ao longo desse ano vai mudando minha vida...