A quem me pergunta sobre essa canção - Perto das águas - que encerra o cd Fim de ciclo, respondo que se trata da minha própria, particular e intransferível Satolep. Creio que deva ter sido por essa música que me tornei fã incondicional de Vitor Ramil, ainda nos 80. Quando ouvi a música pela primeira vez, além da linha melódica diferenciada e acordes + efeitos totalmente incomuns em meios gaúchos até então, o tom melancólico e totalmente carinhoso com que ele retratava seu passado em família, amigos, amor, chamou-me muito atenção.
Não tinha em mente fazer uma espécie de versão dessa música quando compus a minha. No entanto, devo admitir que segue a mesma linha. Perto das águas é pessoal e intransferível. É minha assinatura indelével no projeto todo e traz de forma cronológica (e absolutamente real) os lugares em que vivi, primeiro com a família da qual sou oriundo, depois aquela que formei por "esforço" próprio..
Sem citar as cidades, optei por referir-me aos rios ou arroios que as banham. Nesse sentido, o Taquari é uma das divisas de Lajeado; o Pulador passa em Ibirubá; o Fiúza enrosca-se em Panambi; o Castelhano mantém a umidade em Venâncio Aires; o Rio Pardinho é de Santa Cruz do Sul; e Santa Maria, putz!, lá não tem rio, mas há muitos banhados nos arredores. Caxias do Sul também não tem rio, mas fica no alto da montanha, entre o Antas e o Caí.
Fácil constatar que estou (estamos?) sempre Perto das águas...
Os nomes citados, também não farei maiores comentários, pois a própria letra explicará. É uma letra longa, que me cobrou horas de volta ao passado e me legou uma doce melancolia. Até cheguei a postar um videozinho no youtube com a primeira versão dela, quando pela primeira vez consegui interpretá-la sem ir às lágrimas. Um projeto, um cd, quando se propõe a buscar o mais profundo da alma de um compositor, constantemente leva-o ao choro. Mas um choro até certo ponto bom, de quem depura o passado, encerra um ciclo e se prepara pro futuro...
A ideia inicial de compor essa música vem da foto abaixo, feita no dia 22 de novembro de 1963. Eu tinha então só 3 meses...
Perto das águas
A lembrança mais longa é uma foto nas barrancas do
Rio Taquari
Eu cabia quase inteiro no meio das mãos de Glacy.
Não que eu lembro que estive ali, no entanto o
registro é fiel:
A mãe, a criança, o rio, natureza cumprindo o papel.
Quando em novo, guri de colégio, do ladinho do rio
me criei,
Descobrindo segredos, mistérios, bobagens, maldades
e eis
Que chega a hora de i’mbora, de malas e cuias
partir,
Seu Osmar dirigia o carro, qual seria o caminho a
seguir?
Perto
das águas eu existo, perto das águas.
Nunca soube se rio ou arroio que chamam o tal
Pulador,
Arroio talvez por tamanho, ou rio por orgulho e
amor,
Pois essas palavras ensinam e o tempo nos cobra
depois,
Dividi com Marcelo a irmandade, quis a vida que
fossem só dois.
Meu irmão, minha mãe e meu pai, os quatro de muda de
novo,
O Fiúza não é o Uruguai, mas abraça nas curvas um
povo.
E assim como um rio nunca para, a estrada nos leva
além,
E bem perto do rio Castelhano fiz muitos amigos e
amei.
Perto
das águas eu existo, perto das águas.
O piá deu a chance pro homem já maduro de peregrinar
Que cumprindo o mapa da lenda pras origens devia
voltar,
Pois havia bebido da sanga, pois havia saciado a
fome,
Primavera renascem os brotos, e eu ganhei Rafael,
alma e nome.
Nos banhados da Boca do Monte, Rio Pardinho que eu
nunca esqueci,
Mas finquei alicerce nas pedras entre as Antas e o
rio Caí
Bem no alto fiz minha choupana ajeitada e cheia de
mim
Pra também abrigar Mariana, meus filhos, carinhos,
meu fim.
Perto
das águas eu existo, perto das águas.
A poesia que conta a história é vertente que não
cabe em si,
Correnteza que aviva a memória e carrega o que eu
sempre senti.
Pois sei que sou feito de barro e pra terra eu hei
de voltar,
Mas que seja bem perto das águas que um dia eu vá
descansar...
Simplesmente adorei! Poético, profundo!
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