quinta-feira, 14 de maio de 2015

Quem ouve foles não vê essência...


Tive a oportunidade de apreciar alguma apresentação de Rafael De Boni antes mesmo de conhecê-lo pessoalmente. Sentado confortavelmente em algum poltrona, naquele distanciamento seguro daqueles que somente observam, avaliam e curtem o som, saí da apresentação com uma sensação contraditória, mas que já tinha observado em outros músicos que lidam com música instrumental: como pode alguém supostamente tão introvertido, tão "na sua", ter tanta expressão ao executar o instrumento? - Lógico que a resposta a esse questionamento soa como óbvia: nas teclas do acordeon e no empenho do fole (caso dele) brota a sensibilidade.

Tem-se sempre - ao menos na visão do "ouvinte"- a impressão de que um intérprete sensível também o é na sua vida, no cotidiano de suas particularidades. Mas eu não o conhecia. Nunca havia trocado sequer um buenas com ele. Então, a questão sensível-na-música-sensível-na-vida perdurava. Será que seria?

Dia desses, por alguma razão que todas as formas de explicar a vida justificam (sejam religiosas ou meramente filosóficas), tocamos junto. Foi numa fumaceira galponeira daquelas promovidas pelo Ale Balen, nosso amigo comum. Havia umas vinte pessoas por lá, metade delas já etilicamente embaladas, e daí revelou-se a já imaginada sensibilidade do ser, daquele que levava as mãos às teclas da gaita e, sem cantar, produzia aquele ar de lamento, euforia, fúria ou encantamento amoroso que as músicas exigiam. Devemos ter tocado (com parceria do Verona) não mais do que dez músicas. Mas depois de guardarmos os instrumentos, passamos a conversar. E não paramos mais até hoje...

Surgiu de supetão o homem por trás da gaita: o marido dedicado, o pai zeloso, o escoteiro comprometido, o profissional empenhado. Surgiu ali a criatura - até frágil - sensível  que eu havia identificado na execução do instrumento. E, melhor de tudo, surgia ali um amigo que ainda dá importância pras relações inesgotáveis da amizade!





Eu tinha uma ideia ancestral de gravar na linha da Música Popular Gaúcha, embora talvez nem mesmo eu soubesse como deveria ser. O De Boni logo sacou isso e, ao ser convidado (eu não tinha nem como NÃO convidá-lo), entendeu imediatamente a proposta. Já estava presente no projeto, diria de forma definitiva, antes mesmo de ser aprovado pelo FINANCIARTE. Depois da aprovação, então, e de todo o ritual de se gravar, na ordem, baterias, baixos, violões... demorou até chegar a hora, foram alguns meses. Mas, enfim, chegou. E não me surpreendi ao vê-lo no estúdio, totalmente tranquilo no acordeon, como se minhas músicas fossem também suas. Ele sabia o que fazer desde o primeiro acorde.



Rafael De Boni é uma daquelas pessoas que particularmente guardo na estante da minha vida como um ser de alma rara. Acredito que as pessoas continuarão a percebê-lo tocando seus corações, mas sem interpretá-lo como ele merece: uma criatura iluminada, capaz de transformar positivamente os lugares nos quais e as gentes com as quais se envolve.

Ele já sabe que penso assim dele. Queria apenas que os outros soubessem...

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