terça-feira, 22 de julho de 2014

Então... a Música Popular Gaúcha (Parte 3)

Acreditei que Vento Negro havia se tornado um hino gaúcho quando vi em lojas de instrumentos musicais algumas placas do tipo É proibido tocar Vento Negro e Stairway to heaven ao testar os instrumentos, porque a maioria das pessoas que buscava um violão ou uma guitarra dedilhavam essas músicas. Mas analisemos...
Sob o ponto de vista da letra e da linha melódica, Vento Negro não é uma música gaúcha. Não há nos versos qualquer referência ao RS, nem de longe. É um grito de desejo de justiça, de anseio de liberdade, poderia ser aqui ou na Ucrânia. Ou. Musicalmente, melodicamente, trata-se de um folk, estilo difundido meritoriamente por todo mundo ocidental. Ademais, numa análise mais aprofundada (que fiz mais tarde), Os Almôndegas não difundiam em suas gravações a "coisa" de ser gaúcho. À exceção de Piquete do Caveira, a banda que traria Kleiton & Kledir aos holofotes nacionais não tecia a renda do que se considera MPG.


Mas era bacana saber que esses caras, gaúchos, faziam um som fora do mainstream. Soava quase como um rock rural, ao estilo de Sá, Rodrix & Guarabira, porém com intuitos de galgar a parada nacional, de serem ouvidos no Brasil inteiro. E conseguiram. Os Almôndegas tiveram música gravada em trilha sonora de novela global. Lembram de Canção da meia-noite? Pois é... Saramandaia? - corrijam-me os noveleiros... 
Daí apareceu em novela também o Hermes Aquino, com sua Nuvem Passageira. Era gaúcho, e de gaúcha essa música não tem nada.
Peraí, então estamos falando apenas de música "feita" no RS, mas não de essência gaúcha. Era uma música feita praquele povo ao norte do Rio Mampituba? - Sim, era, pra desconsolo meu. E que, de certa forma, pela mesma razão, determinaria o fim dos artistas como ícones nacionais: eram gaúchos demais pra serem brasileiros. A meu ver, eram brasileiros demais para serem gaúchos...
Sumiu o Aquino e não se ouviu mais falar dos Almôndegas. Entrementes, pela tv viu-se uma grande sacada de alguns resgates de festivais de música autoral. Uau! Lembro do que pra mim foi o primeiro, em... 1980? Será? Lembro-me de Kleiton & Kledir (no debut como artistas solos, egressos dos Almôndegas) cantando Vira, virou.
No entanto, lembro de, no mesmo festival, ter visto/ouvido um maluco cantando uma canção absurdamente agauchada (óbvio que não venceria!), cuja letra dizia mas é kraft, mas kraft mesmo, um negócio triviolento... Pela primeira vez ouvi, num programa de abrangência nacional, uma expressão tipicamente nossa, gaúcha: tri! Era o Bebeto Alves, um uruguaianense que metia as fuças com uma música de estilo urbano gaúcho para além das fronteiras do RS. Bravo!
No ano seguinte, mesmo festival, Kleiton & Kledir estavam de volta, dessa vez com Navega, coração. Tanto essa como a música do ano anterior faziam referências ao povo português, Lisboa, navegações, Fernando Pessoa... propositalmente atingindo as grandes cidades brasileiras, de descendentes de portugueses, à beira do mar, ou seja, havia aí uma jogada de marketing. Excetuando Rio Grande (ou Pelotas, pela proximidade), as músicas não identificaram os gaúchos, a não ser pela beleza da composição e pelo fato de a dupla ser gaúcha, competindo com o restante do Brasil.
Mas no ano seguinte, 1982, os dois irmãos pelotenses literalmente "anarquizaram" o RS com uma música chamada Deu pra ti. A partir desse lançamento, para sempre o RS amaria a dupla, mesmo que a pretensão deles fosse sempre atingir o Brasil, e não apenas esse torrão sulino... (continuará)

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